Incêndios em Altadena: O Desespero de uma Comunidade e o Olho dos “Abutres” do Mercado Imobiliário
Recentemente, Altadena, uma pacata comunidade situada nos arredores de Los Angeles, se viu no centro de uma tragédia em decorrência de incêndios florestais devastadores. Danielle Neal, uma residente de quarta geração da área, vivenciou a destruição de sua casa de infância e do apartamento que alugava, um golpe não apenas pessoal, mas também comunitário.
Neal, de 30 anos, relatou que sua tia e tio, os atuais moradores da antiga residência familiar, estão sendo abordados por investidores que oferecem comprar os escombros ainda fumegantes a preços reduzidos. "Não há muita compaixão", desabafa ela, referindo-se a essas propostas, que soam mais como aproveitamento da tragédia do que uma tentativa genuína de ajudar. Para Neal, isso se assemelha a uma forma de saque.
Atualmente, Altadena e outras áreas devastadas do condado de Los Angeles estão sob os olhares de especuladores imobiliários que, ávidos por lucro, tentam capitalizar sobre a vulnerabilidade das vítimas. Famílias que, assim como a de Neal, lutam para decidir sobre suas novas moradias e o processo de reconstrução estão sendo abordadas por investidores de longe, enquanto corretores locais recebem consultas de várias partes do país.
Uma preocupação crescente entre os moradores é a potencial transformação do caráter histórico de Altadena, um bairro que sempre foi um lar para trabalhadores e artistas da classe média, muitos deles de ascendência negra. Altadena, cercada pelas montanhas de San Gabriel, é conhecida por suas ruas adornadas com charmosos bangalôs artesanais e por sua rica herança cultural.
A região já passou por diversas ondas de gentrificação, e um estudo recente da Universidade do Sul da Califórnia aponta que problemas habitacionais estavam se desenvolvendo há décadas, exacerbados por práticas de crédito restritivas e limitações na construção de moradias. As chamas agora podem empurrar moradores em direção a um êxodo, tornando a área acessível apenas aos mais ricos.
Em resposta à crescente inquietação, o governador da Califórnia, Gavin Newsom, emitiu uma ordem executiva que proibiu ofertas não solicitadas em áreas afetadas pelos incêndios por um período de três meses. Essa medida busca proteger os moradores de propostas oportunistas enquanto eles se recuperam das perdas devastadoras.
Até o momento, os incêndios já resultaram na morte de pelo menos 24 pessoas e na destruição de mais de 10.000 estruturas, afetando principalmente casas. Mike Rothschild, um escritor que também perdeu sua residência em Altadena, observou que as mudanças na comunidade começaram antes mesmo das chamas, com a migração de famílias mais jovens e a partida de muitos habitantes negros que ajudaram a moldar o caráter local.
A complexidade da situação é amplificada pela realidade de que Altadena é uma parte não incorporada do condado de Los Angeles, sem um governo local que possa supervisionar o desenvolvimento e garantir que a identidade do bairro seja preservada. Rothschild destaca que a falta de liderança local torna a preservação da comunidade um desafio ainda maior.
Teresa Fuller, uma residente de longo prazo e corretora de imóveis na região, também expressou suas preocupações acerca do futuro de Altadena. Ela relatou que investidores de lugares tão distantes quanto Connecticut e Flórida estão investindo interesse em propriedades danificadas. Para agravar a situação, ela recebeu propostas de um morador local desejando comprar casas em dinheiro, mas com a intenção de evitar que "estranhos" se instalassem ali.
Apesar das preocupações, Fuller acredita que é possível coexistir com investidores, desde que abordagens responsáveis e respeitosas sejam seguidas. Ela enfatiza a importância de estar aberto a diferentes possibilidades, sem rotular todos os investidores como vilões.
Historicamente, Altadena serviu como um refúgio para comunidades negras e latinas em busca de habitação acessível na região de Los Angeles, especialmente após o Movimento pelos Direitos Civis, que facilitou oportunidades de crédito para essas famílias. Dados indicam que, antes dos incêndios, aproximadamente 60% dos residentes eram de grupos sub-representados.
O futuro de Altadena permanece incerto, mas a resiliência de seus moradores e a luta pela preservação de sua identidade cultural se destacam em um momento tão desafiador. As lições que emergirão dessa tragédia, tanto sobre o valor da comunidade quanto sobre a ética envolvida no mercado imobiliário, serão fundamentais para moldar o que vem a seguir.
Leia a matéria na íntegra em: www.bloomberglinea.com.br
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