Desabamentos e a Crise do Patrimônio Histórico no Arco do Teles: A Herança da ‘Gangue do Zarur’
O Arco do Teles, uma das áreas mais icônicas do Centro do Rio de Janeiro, com sua rica história e arquitetura dos séculos XVIII e XIX, tem enfrentado um período de decadência alarmante. Apesar de sua significativa importância cultural, reconhecida como um "Conjunto Tombado Nacional" pelo Iphan, a região verá sua beleza ameaçada por desabamentos que comprometem a integridade de estruturas históricas.
Nos últimos dois anos, dois notáveis edifícios, considerados joias da arquitetura oitocentista, desabaram, levando à interdição de ruas tradicionalmente movimentadas e frequentadas por turistas e moradores. Mas como chegamos a essa situação? A resposta remonta aos desafios da propriedade fundiária e ao legado perturbador do ex-provedor da Santa Casa da Misericórdia, Dahas Chade Zarur, conhecido como o líder da chamada ‘Gangue do Zarur’. Acusado de fraudes em um esquema envolvendo a venda de imóveis no Centro e Zona Sul, Zarur foi condenado em 2014, mas suas ações continuam a reverberar e a impactar a infraestrutura da cidade.
Zarur, que faleceu em 2020, deixou um rastro de destruição na região. Documentos fraudulentos, supostamente assinados por ele, permitiram que comparsas reivindicassem a posse de propriedades, muitas das quais estão agora em estado de ruína. Em um exemplo recente de conflito, um ex-comerciante, Pedro Henrique do Valle Thomaz, invadiu um imóvel no Arco do Teles, alegando que era seu com base em um desses documentos ilegais. O episódio, que resultou em vandalismo e foi registrado por câmeras locais, destaca o nível de tensão gerado pela luta por esses imóveis.
A situação é complexa: enquanto a Santa Casa tenta recuperar suas propriedades, alguns imóveis têm sido alvo de apropriações irregulares, levando ao que se pode chamar de uma guerra por arquivos. Um prédio onde viveu a famosa cantora Carmen Miranda, por exemplo, já não existe mais, desabando sob o olhar impotente da comunidade e das autoridades. A Arilucas Ltda., uma empresa vinculada a um ex-advogado de Zarur, detinha esse imóvel, que, até hoje, gera contestações e incertezas sobre responsabilidades e proprietários.
Há também casos emblemáticos, como o antigo McDonald’s da Primeiro de Março, um prédio marcado pela deterioração, com uma ação judicial envolvendo o Iphan cobrando multas por sua conservação negligente. A relação entre o acesso à propriedade e a proteção do patrimônio cultural tem sido tensa, com a instalação de novos inquilinos e tentativas de recuperação de estruturas exigindo uma resposta mais eficaz das autoridades.
A Prefeitura, observando a grave situação, prometeu intervenções, mas, até agora, as ações se resumiram a escoras emergenciais, sem um plano claro para revitalizar a área completamente. A experiência de fiscalização do Iphan na região parece ter sido ineficaz, sofrendo com uma estrutura interna que falhou em proteger o valioso legado histórico do Rio.
Nos últimos meses, melhorias começaram a ser implementadas, com alguns edifícios restaurados e novos empreendimentos surgindo. Contudo, os desafios ainda são grandes. A luta contra a ‘Gangue do Zarur’ não pode ser vista apenas como uma batalha legal; é uma missão coletiva do poder público, sociedade civil e amantes do patrimônio para que a história do Arco do Teles não se perca por completo.
Enquanto isso, os moradores e pequenos comerciantes da região continuam a viver com os riscos que os imóveis em deterioração oferecem, além da constante ameaça de disputas violentas. É vital que, em janeiro de 2025, a cidade do Rio de Janeiro reverencie não apenas sua riqueza histórica e cultural, mas também sua capacidade de proteger e restaurar o que lhe pertence. Afinal, a preservação do passado é um investimento no futuro.
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