À_SOMBRA: Um Novo Olhar sobre Rituais de Enterro e a Regeneração Ecológica
À_SOMBRA está redefinindo rituais de sepultamento a partir de uma abordagem sustentável inspirada na hipótese de Gaia e nas teorias ambientais contemporâneas. O projeto, desenvolvido por João Pedro Alves Cavalcanti e Jeanine Torres Geammal da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), visa a regeneração ecológica através da integração de restos humanos ao solo por meio de uma urna biodegradável, feita de micélio de cogumelo.
A hipótese de Gaia, proposta pelos biólogos Lynn Margulis e James Lovelock, compreende a biosfera como um organismo vivo composto por partes interconectadas que co-evoluem. O projeto À_SOMBRA se inspira nesta visão e em reflexões de pensadores como Donna Haraway, Ailton Krenak, Anna Tsing e Bruno Latour, para reimaginar os cemitérios como espaços verdes que promovem interações harmônicas entre os humanos e o meio ambiente.
O coração desse ritual é a urna feita de micélio, escolhido por sua capacidade de interagir com as raízes das plantas, facilitar a troca de nutrientes entre os ecossistemas e desintoxicar o solo por suas propriedades naturais. O design da urna é influenciado pelas urnas antropomórficas da Tradição Polícroma Amazônica e é moldado através de impressão 3D. Com o tempo, a urna biodegradável se decompõe, enriquecendo o solo e sustentando diversas formas de vida.
Processo de Enterro Consciente: Uma Conexão com a Natureza
O processo de enterro desarrollado por João Pedro Alves Cavalcanti, estudante de Design Industrial, em colaboração com sua orientadora Jeanine Torres Geammal, envolve várias etapas cuidadosas. Os restos humanos, tratados através de cremação, redução orgânica natural (NOR) ou hidrólise alcalina, são reduzidos a partículas adequadas para a reintegração ecológica. Esses fragmentos são colocados dentro da urna de micélio por entes queridos.
Após um período de estabilização de 24 horas, a urna é transportada para o local do enterro utilizando uma estrutura de transporte feita de bambu. No local, é preparado um espaço para acomodar a urna e parte da estrutura de bambu. Neste momento, familiares e amigos podem participar do ato simbólico de colocar a urna em contato com a terra. O micélio, agora em contato com os restos humanos, nutre o solo, sustentando a vida microbiana e vegetal.
A estrutura de bambu também apresenta um código QR que remete a um memorial digital, onde informações sobre o falecido e o ecossistema local estão disponíveis. À medida que o bambu se biodegrada, o local do enterro permanece identificável por meio de coordenadas GPS armazenadas em um mapa virtual, o que garante que o espaço verde em constante mudança seja acessível e significativo para os visitantes.
Essa abordagem inovadora não só transforma o conceito de cemitério como um espaço sombrio, mas o transforma em um ambiente vibrante e positivo, constantemente em evolução, que promove práticas sustentáveis e a celebração da vida em meio à morte. Os rituais de enterro à sombra do micélio reafirmam a conexão intrínseca entre seres humanos e a natureza, revelando que a morte pode ser um ponto de partida para o renascimento ecológico.
Com À_SOMBRA, Cavalcanti e Geammal nos convidam a refletir sobre o nosso papel na Terra e a maneira como nos despedimos daqueles que amamos. Com uma abordagem que promove a regeneração e a vida, este projeto se destaca como um exemplo inspirador de como podemos lidar com a morte de forma consciente e harmoniosa, integrando ciclos de vida e morte na teia intricada da vida que nos rodeia.
À_SOMBRA é mais do que um simples projeto de enterro; é um convite para um novo entendimento sobre a morte e a natureza, reafirmando que, mesmo na ausência, a vida se renova.
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