Imbróglio no Edifício Anchieta: Moradores Enfrentam Despejo e Incertezas

Um manifesto curioso ganha destaque na Praia do Flamengo, Zona Sul do Rio de Janeiro. Uma faixa exposta na altura do quarto andar do histórico Edifício Anchieta, uma obra art déco tombada pelo município, clama: “Abaixo o terrorismo da Santa Casa. Somos moradores, compramos e pagamos nossos apartamentos”. O descontentamento é reflexo de um emaranhado jurídico relacionado à aquisição da posse de apartamentos no Anchieta, bem como em outros dois prédios vizinhos: Barth e Nóbrega, todos construídos na década de 1940.

O Que Está Acontecendo?

Os conflitos começaram quando, segundo os residentes, a venda da cessão foi realizada por intermediários da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro (SCMRJ), a antiga proprietária. Muitos moradores afirmam terem visto anúncios nas redes sociais, mas a instituição nega a validade do negócio, alegando que a maior parte dos imóveis foi invadida e que os prédios foram incluídos na lista de bens a serem utilizados para quitar dívidas trabalhistas. No ano passado, os imóveis foram vendidos por R$ 75 milhões ao Banco BTG Pactual e à Performance Empreendimentos Imobiliários. Agora, os residentes enfrentam despejos iminentes.

Termo de Adesão e Desocupações

Recentemente, os moradores assinaram um termo de adesão concordando em pagar uma mensalidade de R$ 2.700, que abrange aluguel e condomínio, mas com a obrigação de desocupar os imóveis até 17 de setembro. Enquanto buscam alternativas, aguardam o desfecho de recursos que ainda tramitam no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e no Supremo Tribunal Federal (STF).

Em março, oficiais de Justiça, acompanhados da polícia, intimaram os moradores a deixarem os prédios, lacrando as unidades desocupadas com tijolos.

Perfil dos Moradores

O Edifício Anchieta e seus vizinhos, conhecidos como os “trigêmeos do Flamengo”, abrigam 174 unidades de apartamentos. O jornalista Adriano Cornélio comprou um apartamento de três quartos por R$ 160 mil e, segundo ele, cerca de 70 das unidades estão habitadas. Ele revelou que ficou sabendo da venda por meio de uma amiga que também adquiriu um imóvel ali, citando um intermediário local, Carlos Alberto Braga Júnior.

Adriano relata: “Assinei documento reconhecido em cartório”. Entretanto, lamenta que, após investir todas as suas economias na compra, agora está à mercê da situação.

Outra moradora, Angélica Benevides, de 39 anos, enfrentou dificuldades após encontrar um anúncio no Facebook. Ela comprou um apartamento por R$ 60 mil, mas, sem condições de honrar o acordo, voltou para o Jacaré. A situação afetou sua saúde e seu casamento.

Aline Mota, de 35 anos, também está na mesma situação. Ela obteve uma liminar para permanecer no imóvel que acabou perdendo a validade após a assinatura do acordo. “Vamos lutar até o fim para permanecer aqui. Muita gente fez reformas enormes”, desabafa.

Aspectos Legais e Desafios

O advogado Herbert Alencar menciona que existe um mandado de segurança aguardando julgamento no STJ e argumenta que a determinação de despejos fere o direito constitucional à habitação.

O valor de mercado dos apartamentos regulares na Praia do Flamengo tem médias que ultrapassam R$ 11 mil por metro quadrado. Em contrapartida, Gabriel de Britto Silva, especialista em direito imobiliário, explica que a posse, frequentemente adquirida por valores menores, confere apenas direitos limitados, o que torna vulneráveis aqueles que acreditaram ter feito um bom negócio.

Testemunhos de Moradores

A professora aposentada Vanilce Moreira, que reside no Anchieta desde 2001, compartilha suas frustrações: “Poderiam ter nos oferecido o imóvel”. Ela, que pagava aluguel à Santa Casa, se viu forçada a assinar o acordo após um primeiro leilão dos prédios ter sido anulado.

Reagindo às denúncias sobre a venda irregular de posse, a Performance Empreendimentos não respondeu aos questionamentos diretos, mas mencionou que o projeto está sob avaliação. Por outro lado, o BTG Pactual optou por não comentar a situação.

Nota da Santa Casa

Em uma nota oficial, a Santa Casa de Misericórdia destacou a crise enfrentada desde 2013 e a necessidade de reorganização interna. Afirmou que a posse dos prédios não foi vendida por seus representantes e que “pessoas foram induzidas a erro por terceiros ardilosos”.

Situação Atual dos Imóveis

Os prédios, projetados pelo arquiteto Robert Prentice, enfrentam sérios problemas de manutenção, como rachaduras na fachada e infestação de roedores. Apesar de os moradores pagarem mensalidades elevadas, as condições de vida nos edifícios continuam críticas, com sujeira e falta de água se tornando cada vez mais evidentes.

No contexto de constante incerteza, o clima entre os moradores é de tensão, especialmente ao utilizar os elevadores que frequentemente apresentam falhas e problemas de funcionamento. Enquanto lutam por seus direitos, os residentes dos “trigêmeos do Flamengo” enfrentam um futuro incerto.