O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deverá apresentar, na próxima semana, um conjunto de medidas voltadas ao mercado de crédito – com atenção especial ao setor imobiliário. Parte das ações já havia sido sinalizada na semana passada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), que em entrevista salientou que as iniciativas atenderão públicos distintos: desde pessoas físicas beneficiárias de programas sociais, como o Bolsa Família, até instituições financeiras.
“Temos que pensar o sistema de crédito de A a Z: desde a pessoa que está numa situação de vulnerabilidade e precisa de microcrédito para se emancipar, passando por um empresário que teve dificuldades na pandemia e que não está conseguindo renegociar suas dívidas no Pronampe, até o banco que está com a carteira com títulos imobiliários que ele quer vender para abrir espaço para novos financiamentos e não consegue por regras burocráticas que o impedem”, disse o ministro à Rádio Itatiaia.
A ideia do governo federal é que as iniciativas sejam abordadas em uma única medida provisória. Nela também constarão as novas regras de hedge cambial, anunciadas em fevereiro, durante encontro entre ministros de finanças e presidentes de bancos centrais de países do G20 − grupo das 20 maiores economias do planeta, que está sob presidência do Brasil
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Segundo Haddad, a MPV terá um dispositivo para autorizar a renegociação de dívida do Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe), criado no contexto da pandemia de Covid-19. “Hoje tem muita gente inadimplente que não consegue renegociar suas dívidas. É um defeito do Pronampe que precisa ser corrigido pelo atual governo”, disse o ministro naquela entrevista.
Além disso, a medida provisória trará modalidades de microcrédito para beneficiários do Bolsa Família que queiram empreender e deixar o programa social. “Tem muita gente que não quer ficar no Bolsa Família, mas precisa de uma porta de saída. Ele precisa empreender, fazer alguma coisa. E essa pessoa nem sempre tem acesso a crédito. Então, vamos criar uma linha para que as pessoas possam empreender e se emancipar do programa de transferência de renda”, sinalizou.
No caso específico do setor imobiliário, o governo quer lançar mão de iniciativas que desenvolvam um mercado secundário de títulos imobiliários, capaz de gerar maior alavancagem nas operações. Com maior possibilidade de negociação a mercado de contratos já celebrados e em execução, a ideia é permitir um espaço maior no balanço dos bancos para novas rodadas de financiamento. O que na prática dinamiza o mercado de crédito e pode reduzir taxas cobraras e spreads.
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Nos últimos dias, Haddad trouxe mais informações sobre como a equipe econômica pretende atuar para alcançar esse objetivo. “Estamos preparando medidas para equalizar os diversos índices que são usados pelo mercado, sobretudo TR e IPCA, de maneira que possamos envelopar esses títulos e ter um mercado empacotado de garantias imobiliárias para que seja aberto espaço no balanço dos bancos para novas rodadas de financiamento”, disse o ministro na terça-feira (2), durante o 10º Brazil Investiment Forum, promovido pelo Bradesco BBI, em São Paulo.
Segundo Haddad, existe um descasamento nas operações. No mercado, contratos mais longos de recebíveis nestes casos costumam ter a inflação medida pelo IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) acrescida de prêmio como forma de remuneração. Já os contratos de financiamento no mercado imobiliário normalmente têm parcelas indexadas à TR (Taxa Referencial). A compatibilização dessas duas situações é justamente o que deseja o governo com a nova medida, que foi discutida com os principais atores do setor financeiro e a própria Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc).
“Estamos criando um mecanismo de equalização em que, por exemplo, a Caixa Econômica Federal tem uma carteira enorme de crédito que está no balanço dela e limitando a capacidade de empréstimo. Ela tem um limite de financiamento imobiliário, porque carrega essa carteira. A partir do momento em que você descobre um mecanismo em que ela possa transferir essa carteira para alguém que vai empacotar de outra maneira e eventualmente vender isso…”, explicou o ministro.
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Segundo ele, todas as partes terão que fazer algum tipo de concessão para que o novo modelo saia do papel da maneira desejada. “Todo mundo vai ter que fazer uma conta para viabilizar a abertura do balanço dos bancos para novas operações”, disse.
“Se conseguirmos induzir esse processo e simultaneamente tenhamos um ambiente macroeconômico mais positivo, com taxas de juros um pouco mais civilizadas, uma inflação controlada, entendemos que podemos, não do dia para a noite, mas em um processo gradual, contínuo, alavancar o crédito imobiliário no Brasil, que é muito baixo”, prosseguiu o ministro.
Não são raras as vezes em que Haddad aponta o mercado de crédito como um dos principais gargalos da economia brasileira − e é este o motivo da atenção da equipe econômica com medidas como o novo marco de garantias, mudanças na Lei de Falências e uma série de iniciativas regulatórias que envolvem aplicações financeiras diversas.
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Mas o ministro enxerga carências crônicas no setor imobiliário, que, se atacadas, poderão contribuir de forma significativa para o crescimento econômico do país. Haddad costuma destacar que, em alguns países, o crédito imobiliário chega a superar em 10 vezes o brasileiro. “Nosso crédito imobiliário é muito baixo no Brasil e é o que alavancou o crescimento econômico na maioria dos países de média renda, como nós. Nós temos só 9%, quando uma meta de 26% a 30% é absolutamente factível para o caso brasileiro”, disse durante o evento promovido pelo Bradesco BBI.
“É muito difícil um país sair da renda média para a renda alta sem passar por um processo forte na área da construção civil. O crédito sempre foi o instrumento mais importante dessas revoluções econômicas que aconteceram em vários países do mundo”, concluiu.