Globalização e Arquitetura: A Dependência do Talento Estrangeiro no Sul Global
A partir da segunda metade do século XX, o Sul Global experimentou um significativo influxo de arquitetos estrangeiros, frequentemente convidados por governos locais que buscavam inovação e modernidade. Às vezes considerados símbolos de progresso, as obras concebidas por arquitetos renomados contribuíram para elevar a imagem de diversas nações. Entretanto, décadas depois, com a crescente capacitação das indústrias locais, persiste a busca pelo talento externo. Esse cenário levanta uma pergunta crucial: trata-se de um reflexo natural da globalização ou da manutenção de uma dependência estrutural?
Historicamente, é possível observar como muitos governantes recorreram a arquitetos internacionais para a realização de grandes obras, a fim de destacar suas nações em um contexto pós-colonial. A arquitetura tornou-se uma forma de afirmação de identidade, trazendo novas práticas e estilos para países que antes se baseavam em formas vernaculares de expressão. Com isso, materiais alternativos e vocabulários arquitetônicos de outros países começaram a ser incorporados nas práticas locais.
Em muitos casos, a atuação dos profissionais locais foi reduzida a consultores que compartilhavam conhecimentos sobre o contexto, clima e cultura, relegados a um papel secundário nas decisões de design. Assim, embora os projetos colaborativos representem uma oportunidade de influência regional, frequentemente reforçam a noção de que a excelência arquitetônica está atrelada ao conhecimento externo.
No Iraque, por exemplo, a intenção de apagar vestígios do colonialismo britânico e as receitas do petróleo para financiar projetos de desenvolvimento traçaram um cenário propício para a reinterpretação de ideias no estilo Bauhaus. Muito embora a instabilidade política tenha caracterizado a época, arquitetos como Walter Gropius foram convidados a desenhar instituições que simbolizavam modernidade e coletividade. O trabalho em conjunto com arquitetos locais possibilitou uma fusão entre o modernismo ocidental e elementos da arquitetura do Oriente Médio, ao incorporar práticas construtivas regionais.
Outro exemplo marcante é o da Argentina, onde Le Corbusier foi convidado a desenvolver planos urbanísticos. Suas ideias chegaram a influenciar uma nova geração de arquitetos locais, como Juan Kurchan e Jorge Ferrari Hardoy, que adaptaram conceitos modernistas às exigências da região.
Nem todos os países do Sul Global se deixaram seduzir pela dependência de arquitetos estrangeiros. No Brasil, por sua vez, a proposta modernista surgiu de talentos nativos. Arquitetos como Oscar Niemeyer e Lúcio Costa delinearam uma resposta singular à cultura e aspirações brasileiras, exemplificada no desenvolvimento de Brasília, que se tornou o símbolo de uma visão autêntica.
Apesar do impacto positivo promovido por arquitetos internacionais em projetos de grande escala, a continuidade dessa influência suscita críticas sobre a persistente dependência. Hoje, grandes escritórios como os de Norman Foster, Rem Koolhaas e Skidmore, Owings & Merrill (SOM) estão se estabelecendo em países do Sul Global, incluindo Brasil, Nigéria, Índia e Emirados Árabes Unidos.
No Vietnã, a presença de arquitetos internacionais também está crescendo, especialmente em projetos de planejamento urbano em larga escala. Com menos exigências para colaborar com arquitetos licenciados localmente, firmas ocidentais veem oportunidades de expansão. Projetos como o desenvolvimento de 27 acres em Ho Chi Minh, encomendado pela empresa de telecomunicações Sacom, são exemplos desse esforço. O SOM, por sua vez, realiza diversos projetos de planejamento em Hanoi, integrando princípios de design urbano sustentável e paisagens resilientes a inundações.
Contudo, essa presença de arquitetos estrangeiros não provém apenas de uma admiração por tendências globais, mas de fatores econômicos e da busca de novos mercados num contexto de estagnação nas indústrias dos EUA e Europa. Essas iniciativas oferecem uma chance de diversificação para as empresas internacionais e a possibilidade de explorar um mercado emergente.
Entretanto, a predominância de firmas internacionais pode ter consequências a longo prazo sobre as economias locais de arquitetura. A falta de colaboração e domínio absoluto em projetos de destaque pode resultar em um descolamento do contexto sociocultural. Essa dinâmica pode gerar uma dependência em que os profissionais locais são relegados a posições secundárias, invertendo a possibilidade de se tornarem protagonistas nas diretrizes de suas próprias práticas arquitetônicas.
A globalização permitiu que o conhecimento e a expertise fluíssem com facilidade através das fronteiras, mas será que essa colaboração entre talentos locais e internacionais promove ou prejudica o desenvolvimento da arquitetura regional? Embora arquitetos estrangeiros aportem valiosa expertise, sua dominação pode eclipsar talentos nativos e perpetuar narrativas que exaltam abordagens ocidentais.
A persistente dependência de arquitetos não locais é um reflexo não apenas de desafios internos, como também de exigências externas associadas à busca por qualidade e modernidade. Apesar da complexidade dessa questão, um modelo híbrido que integre a colaboração internacional com a valorização do talento local pode se revelar uma trajetória promissora para o futuro da prática arquitetônica no Sul Global.