Estéticas Improvisadas: A Apropriação do Reuso Adaptativo de Base

O reuso adaptativo passou a ser um termo em alta nas discussões sobre arquitetura. Considerado uma solução sustentável e econômica para a degradação urbana, esse método tem sido adotado por cidades que enfrentam os desafios das mudanças climáticas, das restrições imobiliárias e da preservação cultural. Cada vez mais, arquitetos são contratados para reabilitar o velho em vez de construir algo novo, levantando discussões sobre quem pode reutilizar e como esse processo ocorre.

A provocação do antropólogo Claude Lévi-Strauss entre o engenheiro e o bricoleur se aplica bem ao campo da arquitetura. Enquanto o engenheiro opera dentro de um modelo hierárquico de planejamento, o bricoleur coleta materiais descartados e os combina de maneiras criativas, estabelecendo um diálogo constante com as limitações do espaço.


Transformação de escritórios e instalações gráficas em um desenvolvimento de uso misto. Imagem Cortesia de EFFEKT
Transformação de escritórios e instalações gráficas em um desenvolvimento de uso misto. Imagem Cortesia de EFFEKT

As instituições arquitetônicas adotam o reuso adaptativo como um sinal de compromisso ecológico e inovação estética, mas é essencial reconhecer suas raízes em comunidades marginalizadas que inovam por necessidade. O reuso comunitário surge da exclusão, refletindo uma arquitetura de necessidade em vez de escolha. À medida que as estruturas improvisadas são estéticas e absorvidas pelo design formal, as dinâmicas desiguais do reuso tornam-se evidentes, destacando aqueles que se beneficiam e aqueles que são apagados da narrativa.

A Conexão entre Práticas Não Convencionais e Reuso Adaptativo

O crítico americano Aaron Betsky, em sua análise, sugere que “espreitar, instalar e ativar” são atos criativos que perturbam a lógica de design convencional. Nos anos 1960, o movimento de ocupação de espaços na Europa desafiou a ordem arquitetônica ao transformar prédios vazios em comunidades ad hoc, onde cada espaço era reimaginado de formas únicas.


Torre de David (Centro Financiero Confinanzas). Imagem © EneasMx
Torre de David (Centro Financiero Confinanzas). Imagem © EneasMx

Exemplificando essas práticas, temos Christiania, em Copenhague, um monumento vivo à improvisação, que reflete a adaptação comunitária em estruturas coletivas e autoconstruídas. No outro lado do oceano, as ocupações urbanas nos EUA demonstravam resistência ao reimaginar espaços urbanos abandonados como territórios de luta.

Além disso, a área de assentamento flutuante no Lago Tonlé Sap, no Camboja, ilustra uma engenhosidade espacial forjada pela marginalização, onde as comunidades se adaptam às inundações sazonais construindo casas flutuantes e mercados móveis, desafiando assim as convenções de zoneamento. Essa arquitetura, feita com materiais como bambu e madeira recuperada, representa uma luta sofisticada pela sobrevivência.


Vista aérea da Vila Flutuante de Ganvie. Imagem © Victor Espadas González
Vista aérea da Vila Flutuante de Ganvie. Imagem © Victor Espadas González

Da mesma forma, a Torre David, em Caracas, se tornou uma cidade vertical improvisada, onde a reinterpretação do modo de viver em altura gerou um experimento comunitário inovador que, embora tenha sido eventualmente desfeito, deixou lições valiosas sobre governança e adaptação.

As favelas do Rio de Janeiro são exemplos indeléveis dessa adaptação espacial em que as populações marginalizadas, sem acesso ao planejamento formal, desenvolveram economias comunitárias e infraestruturas complexas a partir de materiais improvisados. Essas experiências urbanas densas e resilientes são reflexos de décadas de prova e erro.


Uma favela. Imagem © Solène Veysseyre
Uma favela. Imagem © Solène Veysseyre

Em Bruxelas, a ASIAT converteu antigos quartéis militares em um híbrido de natureza e programação planejada. No entanto, a pressão para se conformar ao mercado e ao planejamento urbano revela a tensão entre inovação comunitária e sistemas formalizados.

A transformação de ambientes urbanos em “arte” ou destinos turísticos suscita questionamentos sobre se isso realmente homenageia a resiliência das comunidades marginalizadas ou se acaba por estetizar sua luta. O alerta de Betsky contra a apreciação voyeurística da decadência é relevante, refletindo sobre o potencial de gentrificação que envolve o reuso adaptativo.

No final, a prática ética do reuso adaptativo exige não apenas novas técnicas, mas também novas estruturas de poder que centrem o conhecimento e o controle das comunidades. Transformar a relação entre arquitetos e comunidades é crucial para garantir que as soluções sejam verdadeiramente adaptativas e sustentáveis.